Segundo Evangelho de Pedro: A Crucificação de Cristo O Evangelho de Pedro foi descoberto no Alto Egito, sendo que o último ocorreu no ano de 1886, numa localidade chamada de Akhmin. Serapião, bispo de Antioquia (190-211), bem como Orígenes, Eusébio de Cesaréia, Teodoreto de Ciro e Jerônimo faz referência ao Evangelho de Pedro, o qual pode ser datado na primeira metade do século II. Serapião chega a permitir o uso do Evangelho de Pedro, mas depois se dá conta que se trata de um texto influenciado por doutrinas heréticas de Marcião, gnosticismo e decetismo. Assim ele escreve, concluindo a sua carta apostólica aos cristãos de Rossos: “Assim, digo, pudemos por meio destes manusear o livro em questão, percorrê-lo e comprovar que a maior parte do conteúdo está de acordo com a reta doutrina do Salvador, se bem que se encontrem algumas inovações que submetemos à vossa consideração. É isto que vos escreve Serapião”. Capítulo 1 DENTRE OS judeus, porém, ninguém lavou as mãos; nem Herodes nem nenhum de seus juízes. E, por não quererem lavar-se, Pilatos levantou-se. 2 Então o rei Herodes mandou que se encarregassem do Senhor, dizendo-lhes: "Executai o que acabo de ordenar que façais com ele". Capítulo 2 3 José, o amigo de Pilatos e do Senhor, encontrava. se ali na ocasião. E sabendo que iam crucificá-lo, aproximou-se de Pilatos para pedir o corpo do Senhor para levá-lo à sepultura. 4 Pilatos, por sua vez, mandou um recado a Herodes e pediu-lhe o corpo de Jesus. 5 E Herodes disse: "Irmão Pilatos, mesmo que ninguém o houvesse reclamado, nós mesmo ter-lhe-íamos dado sepultura, pois já se aproxima o Sábado e está escrito na lei que o sol não deve pôr-se sobre um justiçado". E com isto, entregou-o ao povo no dia anterior ao dos Azimos, sua festa. Capítulo 3 6 E eles, segurando o Senhor, davam-lhe empurrões e diziam: "Arrastemos o Filho de Deus, já que veio cair em nossas mãos". 7 Depois vestiram-no de púrpura e fizeram com que se sentasse no tribunal, dizendo: "Julga com eqüidade, ó rei de Israel". 8 E um deles trouxe uma coroa de espinhos e colocou-a na cabeça do Senhor. 9 Alguns dos presentes., cuspiram-lhe no rosto, enquanto que outros davam-lhe bofetadas na face, e outro. ainda o feriam com um pau. E havia quem lhe batesse dizendo: "Esta é a homenagem que rendemos ao Filho de Deus". Capítulo 4 10 Depois, levaram dois ladrões e crucificaram o Senhor no meio deles. Mas ele permanecia calado como se não sentisse dor alguma. 11 E quando prepararam a cruz escreveram em cima: "Este é o rei de Israel". 12 E, depositadas as vestes diante dele, dividiram-nas em lotes e deitaram os dados sobre elas. 13 Um daqueles malfeitores, porém, repreendeu-os dizendo: "Nós sofremos assim pelas iniqüidades que fizemos; mas este, que veio para ser o Salvador dos homens, em que pode havê-los prejudicado?" 14 E indignados contra ele, ordenaram que não lhe quebrassem as pernas para que morresse entre tormentos. Capítulo 5 15 Era então meio-dia, e a escuridão tomou conta de toda a Judéia. Foram então tomados pela agitação, temendo que o sol se pusesse, pois Jesus ainda estava vivo, e a lei dizia que "o sol não deve pôr-se sobre um justiçado", 16 Então um deles disse: "Dá-lhe de beber fel com vinagre" (1). E, fazendo a mistura, deram-lhe a beberagem. 17 E cumpriram tudo, preenchendo a medida das iniqüidades acumuladas sobre suas cabeças. 18 E muitos andavam por ali servindo-se de lanternas, já que pensavam que fosse noite, e caíam por terra. 19 E o Senhor elevou sua voz, dizendo: "Força minha, força minha, tu me abandonaste". E, dizendo isto, volatilizou-se e subiu ao céu. 20 Naquele mesmo momento, o véu do templo de Jerusalém rasgou-se em duas partes. Capítulo 6 21 Então tiraram os cravos das mãos do Senhor e o estenderam no chão. E a terra inteira tremeu e um enorme pânico sobreveio. 22 Logo o sol brilhou, e comprovou-se que era a hora nona. 23 Alegraram-se, então, os judeus e entregaram o corpo a José para que lhe desse sepultura, uma vez que este havia sido testemunha de todo o bem que Jesus havia feito. 24 E, pegando o corpo do Senhor, lavou-o, envolveu-o num lençol e colocou-o em sua própria sepultura, chamada de Jardim de José. Capítulo 7 25 Então, os judeus, os anciãos e os sacerdotes perceberam o mal que haviam acarretado para si próprios e começaram a bater no peito dizendo: "Malditas as nossas iniqüidades! Eis aqui que chega o juízo e o fim de Jerusalém". 26 Eu, de minha parte, estava sumido na aflição juntamente com meus amigos, e, feridos no mais profundo da alma, mantinham-nos escondidos. Pois éramos tidos como malfeitores e como aqueles que pretendiam incendiar o templo. 27 Por todas essas coisas, jejuávamos e permanecíamos sentados, lamentando-nos e chorando noite e dia até o Sábado. Capítulo 8 28 Entretanto, reunidos entre si, os escribas, os fariseus e os anciãos ao ouvir que o povo murmurava e batia no peito dizendo: "Quando de sua morte sobrevieram sinais tão assombrosos, como dizer que não foi um justo". 29 fugiram de medo e foram ter à presença de Pilatos em tom de súplica, dizendo: 30 "Dá-nos soldados para que custodiem o sepulcro durante três dias, pois pode acontecer que seus discípulos venham, retirem o seu corpo e o povo venha a nos fazer algum mal, acreditando que ressuscitou de entre os mortos". 31 Pilatos, então, entregou-lhes Petrônio e um centurião com soldados para que custodiassem o sepulcro. E com eles foram também até o túmulo os anciãos e os escribas. 32 E, girando uma grande pedra, todos os que ali se encontravam presentes, juntamente com o centurião e os soldados, puseram-se na porta do sepulcro. 33 Além disso, gravaram sete selos e depois de armar uma tenda, puseram-se a fazer a guarda. Capítulo 9 34 E bem cedo, ao amanhecer o Sábado, uma grande multidão veio de Jerusalém e das redondezas para ver o sepulcro selado. 35 Mas durante a noite que precedia o domingo, enquanto os soldados estavam fazendo a guarda de dois a dois, uma grande voz produziu-se no céu. 36 E viram os céus abertos e dois homens que desciam, tendo à sua volta um grande resplendor, e aproximaram-se do sepulcro. 37 E aquela pedra que haviam colocado sobre a porta rolou com o seu próprio impulso e pôs-se de lado, com o que o sepulcro ficou aberto e ambos os jovens entraram. Capítulo 10 38 Então, ao verem isto, aqueles soldados despertaram o centurião e os anciãos, já que também estes encontravam-se ali fazendo a guarda. 39 E, estando eles explicando o que acabara de acontecer, viram três homens que saíam do sepulcro, dois dos quais servindo de apoio a um terceiro, e uma cruz que ia atrás deles, 40 E a cabeça dos dois primeiros chegava até o céu, enquanto que a daquele que era conduzido por eles ultrapassava os céus. 41 E ouviram uma voz vinda dos céus que dizia: "Pregas-te para os que dormem?" 42 E da cruz fez-se ouvir uma resposta: "Sim". Capítulo 11 43 Então eles passaram a combinar como contariam o ocorrido a Pilatos. 44 E, enquanto se encontravam ainda confabulando entre si, novamente apareceram os céus abertos e um homem desceu e entrou no sepulcro. 45 Os que estavam junto ao centurião, vendo isto, apressaram-se a ir a Pilatos ainda de noite, abandonando o sepulcro que custodiavam. E, cheios de agitação, contaram o quanto haviam visto, dizendo: "Era verdadeiramente o Filho de Deus". 46 Pilatos respondeu desta maneira: "Eu estou limpo do sangue do Filho de Deus; fostes vós que assim quisestes. 47 Depois, todos se aproximaram e lhe pediram encarecidamente que ordenasse ao centurião e aos soldados que guardassem segredo sobre o que haviam visto. 48 "Pois é preferível — diziam — sermos réus do maior crime na presença de Deus a cair nas mãos do povo judeu e sermos apedrejados". 49 Então, Pilatos ordenou ao centurião e aos soldados que não dissessem nada, Capítulo 12 50 Na manhã do domingo, Maria Madalena, discípula do Senhor — amedrontada por causa dos judeus, pois estavam cheios de ira, não havia feito no sepulcro do Senhor o que costumavam fazer as mulheres pelos seus mortos queridos. 51 levou consigo suas amigas e foi até o sepulcro no qual havia sido depositado. 52 Temiam, porém, ser vistas pelos judeus e diziam: "Já que não nos foi possível chorar e lamentar naquele dia em que foi crucificado, façamo-lo agora pelo menos em seu sepulcro. 53 "Mas quem removerá a pedra que foi deixada à porta do sepulcro, para que possamos entrar e sentar junto a ele e fazer o que é devido? 54 "A pedra é muito grande e temos medo de que alguém nos veja. E se isto não nos for possível, ao menos joguemos na porta o que levamos em sua memória; choremos e golpearemos o peito até voltarmos para casa." Capítulo 13 55 Foram, então, e encontraram o sepulcro aberto. E nesse instante viram ali um jovem sentado no centro do túmulo, formoso e coberto de vestes alvíssimas, que lhes disse: 56 "A que vindes? A quem buscais? Porventura aquele que foi crucificado? Já ressuscitou e se foi. E se não quiserdes crer, acercai-vos e vede o lugar onde jazia. Não está, pois ressuscitou e se foi para o lugar de onde foi enviado". 57 Então as mulheres, aterrorizadas, fugiram. Capítulo 14 58 Esse era o último dia dos Azimos e muitos partiam de volta para suas casas uma vez terminada a festa. 59 E nós, os doze discípulos do Senhor, chorávamos e estávamos escondidos na aflição. E cada um, desgostoso pelo sucedido, retornou para sua casa. 60 Eu, Simão Pedro, de minha parte, e André, meu irmão, pegamos nossas redes e dirigimo-nos ao mar, indo em nossa companhia Levi o de Alfeu, a quem o Senhor... Fim