Barrabás. O profeta violento que
hoje receberia milhares de
curtidas. Artigo de Stefano Massini
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07 Abril 2023
"Cristo trespassado na cruz é um escândalo, mas ao mesmo tempo, sem
hipocrisias, é o resultado indeferível de uma escolha pró-Barrabás, aquela
escolha que se repetiu milhares, senão milhões, de vezes na história dos
homens, e que ainda hoje encontra seu aval nas avalanches de curtidas nos
posts que invocam os naufrágios dos migrantes ou os mísseis contra os civis,
exigindo uma orgia de morte".
O artigo é de Stefano Massini, escritor e dramaturgo italiano, publicado por
La Repubblica, 04-04-2023. A tradução é de Luisa Rabolini.
Segundo ele, "A violência seduz, e como! Mais: a humanidade por instinto a
ama e acaba abraçando-a".
Eis o artigo.
Quem seria hoje Barrabás? Provavelmente um influencer, com milhões de
seguidores, aclamado por seus seguidores por ser radicalmente violento,
explícito, um campeão em incitar as multidões. E como todo rei das massas
reivindica um inimigo, Barrabás lançaria seus tuítes contra Jesus.
Ah sim, porque não é verdade que Barrabás era um bandido de rua, um
criminoso do submundo como muitas vezes foi descrito utilizando como base
apenas a versão do Evangelho de João, enquanto os outros evangelistas
nos entregam o retrato de um quase-terrorista, um zelote preso por
rebelião, segundo Mateus amadíssimo, com hordas de seguidores que lhe
ebe ão, segu do ateus a ad ss o, co o das de segu do es que e
teriam perdoado tudo, até a subversão, até o homicídio. Resumindo,
poderíamos começar a pensar em Barrabás como uma espécie de profeta
guerrilheiro, um Messias de balaclava, um black bloc gritando slogans
contra os Césares invasores, um chacal de barricada, talvez até um Jack
Angeli de Jerusalém, a tal ponto que a prisão estava se tornando para ele
um enorme palco de consenso.
Barrabás. (Foto: Reprodução Basilica Santa Teresa di Gesù Bambino)
Do lado oposto estava aquele Jesus, dotado de um carisma sem
precedentes (pense no Sermão da Montanha, que na pré-história da
comunicação ressoou como o "eu tenho um sonho" do reverendo King), só
que seu mantra de não-violência, de “oferecer a outra face”, o designava
como um natural competidor midiático para alguém como Barrabás. Um
embate frontal, entre eles. Dois líderes, dois pontos de referência, polos
opostos, opostos em tom, maneira e conteúdo e, portanto, forçados a um
duelo até aquela brutal votação digna de um reality show em que Pôncio
Pilatos desistiu da disputa e acatou o público da casa, como em uma arena
p p
catódica, talvez escolhendo o código 01 para Cristo, o pretenso "filho de
Deus” ou 02 para aquele Bar-abbâ que em aramaico significa “filho do pai”.
Mais competitivo do que isso, impossível. E a escolha foi feita, como se sabe.
Não apenas uma escolha entre dois condenados, mas uma escolha entre
duas linguagens, duas visões de mundo, duas possibilidades de reação ao
aperto objetivo da injustiça, social e política, porque onde Barrabás incitava
à revolta, Cristo explicava que o ódio gera ódio, a ofensa exige vingança e a
espiral envolve vítima e carrasco tornando-os idênticos. Não existe
compromisso, você tem que decidir, você tem que escolher, ou Jesus ou
Barrabás. Está escrito que aquele dia foi uma votação pilotada pelos
Sacerdotes, e certamente seria edificante, além de reconfortante, acreditar
que o povo, sem condicionamentos, teria se expressado de outra forma, para
que tivéssemos um Barrabás na cruz e Cristo em triunfo. Mas
honestamente nunca é assim que acontece.
A narração da subida ao Gólgota é basicamente uma lúcida biópsia do tecido
da humana violência, um exame citológico do qual não é excluído nenhum
aspecto daquela que Freud teria definido como a pulsão destrutiva do
nosso ser. E por isso, na Paixão, também há espaço para aquela distorção
da realidade que é corolário e pressuposto de qualquer sistema baseado na
agressão.
Aquela multidão que grita o nome de Barrabás encerra em si a poderosa
imagem da violência que enquanto te promete terror consegue inebriar os
ânimos, exaltar os corpos, de forma que, sim, nos parece ver aquela imensa
massa de pessoas carregando em triunfo o facínora de plantão, tornando-o
um paladino ou um anjo vingador.
Foto: Reprodução | Site Bible Studies for Skeptics, Seekers, and Believers (bsssb-llc.com)
Nem mesmo um século se passou desde que conhecemos o horror das
execuções sumárias nos guetos, os massacres dos pogroms, as câmaras de
gás dos campos de concentração, mas os espinheiros da violência
aparentemente extirpados, sempre conseguiram florescer novamente,
ressuscitar (também o Mal, é claro, tem a sua Páscoa), e eis então aqui
estão os cadáveres de Srebrenica, de Bagdá, de Damasco, ou agora de
Bucha. A que se deve tudo isso, se não à evidência - objetiva e impiedosa -
de que, ainda que a um alto preço, no final a multidão ainda escolhe
Barrabás? A violência seduz, e como! Mais: a humanidade por instinto a
ama e acaba abraçando-a.
Em suma, Cristo trespassado na cruz é um escândalo, mas ao mesmo
tempo, sem hipocrisias, é o resultado indeferível de uma escolha próBarrabás, aquela escolha que se repetiu milhares, senão milhões, de vezes
na história dos homens, e que ainda hoje encontra seu aval nas avalanches
de curtidas nos posts que invocam os naufrágios dos migrantes ou os
mísseis contra os civis, exigindo uma orgia de morte.
Ninguém pode dizer o que aconteceu com Barrabás depois daquele dia, não
havendo registro nenhum nas fontes históricas.
No entanto, é possível acreditar que pela aclamação popular ele continuou a
pregar o sangue alheio como único meio de salvação, atentado após
atentado, massacre após massacre. E talvez, já idoso, também estivesse
entre os 960 zelotes que se suicidaram em massa na fortaleza de Massada,
perseguidos pelos romanos na virada da primeira guerra judaica. Foi uma
carnificina. Mas os sobreviventes ainda teriam votado em Barrabás.