Barrabás. O profeta violento que hoje receberia milhares de curtidas


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DATE: June 3, 2024, 3:43 p.m.

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HITS: 417

  1. Barrabás. O profeta violento que
  2. hoje receberia milhares de
  3. curtidas. Artigo de Stefano Massini
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  5. 07 Abril 2023
  6.  
  7. "Cristo trespassado na cruz é um escândalo, mas ao mesmo tempo, sem
  8. hipocrisias, é o resultado indeferível de uma escolha pró-Barrabás, aquela
  9. escolha que se repetiu milhares, senão milhões, de vezes na história dos
  10. homens, e que ainda hoje encontra seu aval nas avalanches de curtidas nos
  11. posts que invocam os naufrágios dos migrantes ou os mísseis contra os civis,
  12. exigindo uma orgia de morte".
  13. O artigo é de Stefano Massini, escritor e dramaturgo italiano, publicado por
  14. La Repubblica, 04-04-2023. A tradução é de Luisa Rabolini.
  15. Segundo ele, "A violência seduz, e como! Mais: a humanidade por instinto a
  16. ama e acaba abraçando-a".
  17. Eis o artigo.
  18. Quem seria hoje Barrabás? Provavelmente um influencer, com milhões de
  19. seguidores, aclamado por seus seguidores por ser radicalmente violento,
  20. explícito, um campeão em incitar as multidões. E como todo rei das massas
  21. reivindica um inimigo, Barrabás lançaria seus tuítes contra Jesus.
  22. Ah sim, porque não é verdade que Barrabás era um bandido de rua, um
  23. criminoso do submundo como muitas vezes foi descrito utilizando como base
  24. apenas a versão do Evangelho de João, enquanto os outros evangelistas
  25. nos entregam o retrato de um quase-terrorista, um zelote preso por
  26. rebelião, segundo Mateus amadíssimo, com hordas de seguidores que lhe
  27. ebe ão, segu do ateus a ad ss o, co o das de segu do es que e
  28. teriam perdoado tudo, até a subversão, até o homicídio. Resumindo,
  29. poderíamos começar a pensar em Barrabás como uma espécie de profeta
  30. guerrilheiro, um Messias de balaclava, um black bloc gritando slogans
  31. contra os Césares invasores, um chacal de barricada, talvez até um Jack
  32. Angeli de Jerusalém, a tal ponto que a prisão estava se tornando para ele
  33. um enorme palco de consenso.
  34. Barrabás. (Foto: Reprodução Basilica Santa Teresa di Gesù Bambino)
  35. Do lado oposto estava aquele Jesus, dotado de um carisma sem
  36. precedentes (pense no Sermão da Montanha, que na pré-história da
  37. comunicação ressoou como o "eu tenho um sonho" do reverendo King), só
  38. que seu mantra de não-violência, de “oferecer a outra face”, o designava
  39. como um natural competidor midiático para alguém como Barrabás. Um
  40. embate frontal, entre eles. Dois líderes, dois pontos de referência, polos
  41. opostos, opostos em tom, maneira e conteúdo e, portanto, forçados a um
  42. duelo até aquela brutal votação digna de um reality show em que Pôncio
  43. Pilatos desistiu da disputa e acatou o público da casa, como em uma arena
  44. p p
  45. catódica, talvez escolhendo o código 01 para Cristo, o pretenso "filho de
  46. Deus” ou 02 para aquele Bar-abbâ que em aramaico significa “filho do pai”.
  47. Mais competitivo do que isso, impossível. E a escolha foi feita, como se sabe.
  48. Não apenas uma escolha entre dois condenados, mas uma escolha entre
  49. duas linguagens, duas visões de mundo, duas possibilidades de reação ao
  50. aperto objetivo da injustiça, social e política, porque onde Barrabás incitava
  51. à revolta, Cristo explicava que o ódio gera ódio, a ofensa exige vingança e a
  52. espiral envolve vítima e carrasco tornando-os idênticos. Não existe
  53. compromisso, você tem que decidir, você tem que escolher, ou Jesus ou
  54. Barrabás. Está escrito que aquele dia foi uma votação pilotada pelos
  55. Sacerdotes, e certamente seria edificante, além de reconfortante, acreditar
  56. que o povo, sem condicionamentos, teria se expressado de outra forma, para
  57. que tivéssemos um Barrabás na cruz e Cristo em triunfo. Mas
  58. honestamente nunca é assim que acontece.
  59. A narração da subida ao Gólgota é basicamente uma lúcida biópsia do tecido
  60. da humana violência, um exame citológico do qual não é excluído nenhum
  61. aspecto daquela que Freud teria definido como a pulsão destrutiva do
  62. nosso ser. E por isso, na Paixão, também há espaço para aquela distorção
  63. da realidade que é corolário e pressuposto de qualquer sistema baseado na
  64. agressão.
  65. Aquela multidão que grita o nome de Barrabás encerra em si a poderosa
  66. imagem da violência que enquanto te promete terror consegue inebriar os
  67. ânimos, exaltar os corpos, de forma que, sim, nos parece ver aquela imensa
  68. massa de pessoas carregando em triunfo o facínora de plantão, tornando-o
  69. um paladino ou um anjo vingador.
  70. Foto: Reprodução | Site Bible Studies for Skeptics, Seekers, and Believers (bsssb-llc.com)
  71. Nem mesmo um século se passou desde que conhecemos o horror das
  72. execuções sumárias nos guetos, os massacres dos pogroms, as câmaras de
  73. gás dos campos de concentração, mas os espinheiros da violência
  74. aparentemente extirpados, sempre conseguiram florescer novamente,
  75. ressuscitar (também o Mal, é claro, tem a sua Páscoa), e eis então aqui
  76. estão os cadáveres de Srebrenica, de Bagdá, de Damasco, ou agora de
  77. Bucha. A que se deve tudo isso, se não à evidência - objetiva e impiedosa -
  78. de que, ainda que a um alto preço, no final a multidão ainda escolhe
  79. Barrabás? A violência seduz, e como! Mais: a humanidade por instinto a
  80. ama e acaba abraçando-a.
  81. Em suma, Cristo trespassado na cruz é um escândalo, mas ao mesmo
  82. tempo, sem hipocrisias, é o resultado indeferível de uma escolha próBarrabás, aquela escolha que se repetiu milhares, senão milhões, de vezes
  83. na história dos homens, e que ainda hoje encontra seu aval nas avalanches
  84. de curtidas nos posts que invocam os naufrágios dos migrantes ou os
  85. mísseis contra os civis, exigindo uma orgia de morte.
  86. Ninguém pode dizer o que aconteceu com Barrabás depois daquele dia, não
  87. havendo registro nenhum nas fontes históricas.
  88. No entanto, é possível acreditar que pela aclamação popular ele continuou a
  89. pregar o sangue alheio como único meio de salvação, atentado após
  90. atentado, massacre após massacre. E talvez, já idoso, também estivesse
  91. entre os 960 zelotes que se suicidaram em massa na fortaleza de Massada,
  92. perseguidos pelos romanos na virada da primeira guerra judaica. Foi uma
  93. carnificina. Mas os sobreviventes ainda teriam votado em Barrabás.

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