Por que foi permitido o pecado? 9
liberdade que Deus concedera a Suas criaturas. O pecado originouse
com aquele que, abaixo de Cristo, fora o mais honrado por Deus,
e o mais elevado em poder e glória entre os habitantes do Céu. Lúcifer,
“filho da alva”, era o primeiro dos querubins cobridores, santo,
incontaminado. Permanecia na presença do grande Criador, e os
incessantes raios de glória que cercavam o eterno Deus, repousavam
sobre ele. “Assim diz o Senhor Jeová: Tu és o aferidor da medida,
cheio de sabedoria e perfeito em formosura. Estavas no Éden, jardim
de Deus; toda a pedra preciosa era a tua cobertura. [...] Tu eras
querubim ungido para proteger, e te estabeleci; no monte santo de
Deus estavas, no meio das pedras afogueadas andavas. Perfeito eras
nos teus caminhos, desde o dia em que foste criado, até que se achou
iniqüidade em ti”. Ezequiel 28:12-15.
Pouco a pouco Lúcifer veio a condescender com o desejo de
exaltação própria. Dizem as Escrituras: “Elevou-se o teu coração por
causa da tua formosura, corrompeste a tua sabedoria por causa do teu
resplendor”. Ezequiel 28:17. “Tu dizias no teu coração: [...] acima
das estrelas de Deus exaltarei o meu trono. [...] Serei semelhante ao
Altíssimo”. Isaías 14:13, 14. Se bem que toda a sua glória proviesse
de Deus, este poderoso anjo veio a considerá-la como pertencente
a si próprio. Não contente com sua posição, embora fosse mais
honrado do que a hoste celestial, arriscou-se a cobiçar a homenagem
devida unicamente ao Criador. Em vez de procurar fazer com que [10]
Deus fosse o alvo supremo das afeições e fidelidade de todos os seres
criados, consistiu o seu esforço em obter para si o serviço e lealdade
deles. E, cobiçando a glória que o infinito Pai conferira a Seu Filho,
este príncipe dos anjos aspirou ao poder que era a prerrogativa de
Cristo apenas.
Quebrantou-se então a perfeita harmonia do Céu. A disposição
de Lúcifer para servir a si em vez de ao Criador, suscitou um sentimento
de apreensão ao ser observada por aqueles que consideravam
dever a glória de Deus ser suprema. No conselho celestial os anjos
insistiam com Lúcifer. O Filho de Deus apresentou perante ele a
grandeza, a bondade e a justiça do Criador, e a natureza imutável,
sagrada de Sua lei. O próprio Deus estabelecera a ordem do Céu;
e, desviando-se dela, Lúcifer desonraria ao seu Criador, e traria a
ruína sobre si. Mas a advertência, feita com amor e misericórdia
infinitos, apenas despertou espírito de resistência. Lúcifer consentiu
10 Patriarcas e Profetas
que prevalecessem seus sentimentos de inveja para com Cristo, e se
tornou mais decidido.
Disputar a supremacia do Filho de Deus, desafiando assim a
sabedoria e o amor do Criador, tornara-se o propósito desse príncipe
dos anjos. Para tal objetivo estava ele a ponto de aplicar as energias
daquela mente superior, que, abaixo da de Cristo, era a primeira dentre
os exércitos de Deus. Mas Aquele que queria livres as vontades
de todas as Suas criaturas, a ninguém deixou desprevenido quanto
ao sofisma desconcertante por meio do qual a rebelião procuraria
justificar-se. Antes que se iniciasse a grande luta, todos deveriam ter
uma apresentação clara a respeito da vontade dAquele cuja sabedoria
e bondade eram a fonte de toda a sua alegria.
O Rei do Universo convocou os exércitos celestiais perante Ele,
para, em sua presença, apresentar a verdadeira posição de Seu Filho,
e mostrar a relação que Este mantinha para com todos os seres
criados. O Filho de Deus partilhava do trono do Pai, e a glória do
Ser eterno, existente por Si mesmo, rodeava a ambos. Em redor do
trono reuniam-se os santos anjos, em uma multidão vasta, inumerável
— “milhões de milhões, e milhares de milhares” (Apocalipse
5:11), estando os mais exaltados anjos, como ministros e súditos, a
regozijar-se na luz que, da presença da Divindade, caía sobre eles.
Perante os habitantes do Céu, reunidos, o Rei declarou que ninguém,
a não ser Cristo, o Unigênito de Deus, poderia penetrar inteiramente
em Seus propósitos, e a Ele foi confiado executar os poderosos conselhos
de Sua vontade. O Filho de Deus executara a vontade do
Pai na criação de todos os exércitos do Céu; e a Ele, bem como a
Deus, eram devidas as homenagens e fidelidade daqueles. Cristo ia
ainda exercer o poder divino na criação da Terra e de seus habitantes.
Em tudo isto, porém, não procuraria poder ou exaltação para Si
mesmo, contrários ao plano de Deus, mas exaltaria a glória do Pai, e
executaria Seus propósitos de beneficência e amor.
Os anjos alegremente reconheceram a supremacia de Cristo, e,
prostrando-se diante dEle, extravasaram seu amor e adoração. Lú-
[11] cifer curvou-se com eles; mas em seu coração havia um conflito
estranho, violento. A verdade, a justiça e a lealdade estavam a lutar
contra a inveja e o ciúme. A influência dos santos anjos pareceu por
algum tempo levá-lo com eles. Ao ascenderem os cânticos de louvores,
em melodiosos acordes, avolumados por milhares de alegres